As lições da repetição
- Sofia Botelho
- 26 de abr. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 7 de jun. de 2020
Revisitar para aprender

Atualmente, tenho três projetos nas agulhas. Dentre eles, uma receita de xale (para variar!) que estou tecendo pela segunda vez. Enquanto tecia essa peça nos últimos dias, cheguei a uma constatação que me trouxe muitas reflexões: quando gosto de uma receita, costumo tecê-la mais de uma vez. Comecei a pensar sobre meus projetos concluídos e notei que, realmente, sempre faço ao menos duas peças dos meus projetos favoritos. Algumas pessoas podem dizer que é necessário ter muita paciência para repetir algo que já se conhece ou que já foi aprendido, principalmente um projeto longo como um xale. No entanto, a cada dia que passa começo a pensar que, na verdade, esse exercício de revisitar uma receita é não só frutífero, mas também necessário para um aprendizado completo.
Entendendo a construção e a modelagem

Quem não acabou pesquisando na internet tutoriais de pontos ou técnicas que já utilizou em receitas passadas por haver esquecido como fazê-los? De fato, a experiência de revisitar um projeto de crochê demonstra que a repetição é um passo importante para que a informação se transforme em conhecimento. Penso que, ao repetir um padrão de pontos, fixo melhor a sua construção, tanto em minha memória muscular quanto em meu "acervo" de possibilidades dentro da técnica. Além disso, quando repetimos um projeto já visualizamos todas as etapas de sua construção previamente. É diferente de quando o tecemos pela primeira vez, quando ainda estamos tateando no escuro e não temos uma noção do processo como um todo. Por isso, sempre sinto maior liberdade quando estou repetindo uma receita - posso ajustar algum detalhe que não ficou tão bom na primeira tentativa, pois já tenho uma visão completa da trajetória dos fios nas agulhas. Além disso, passo a entender a dinâmica de sua construção e assimilo melhor o conhecimento dos processos de criação e modelagem - o que pode ser muito frutífero para futuras tentativas de criações próprias.
O projeto: Xale Leque

O xale que inspirou essas reflexões é este da foto. Um xale triangular com uma construção muito interessante, pois começamos a tecer pela parte mais comprida (290 correntinhas! Só contando em voz alta para não se perder!). Por meio da diminuição dos motivos, alcançamos o formato triangular. O ponto chama-se leque e é uma combinação de correntinhas, pontos baixos e pontos altos. Utilizei uma meada e meia de fio sock da Fios da Fazenda, lã 100% merino, com agulha 3.5mm. Escolhi a cor 426, tingida naturalmente com pau-brasil. Tive uma grata surpresa após a blocagem desse projeto: o motivo do leque ficou muito mais nítido e bonito, e o xale cresceu bastante. Conclusão: bloquem os seus projetos! Ah, as margaridas são frutos de nossa jardineira e têm alegrado nossos dias por aqui. Não podia deixar de apresentá-las também, não é mesmo?


A receita não possui um nome específico, por isso resolvi chamá-la de Xale Leque. Não podia ter outro nome! Encontrei a receita nesta edição portuguesa do livro Curso de Crochê, com designs de Marion Madel. O livro tem o formato de um curso mesmo, com 25 lições. Em cada lição, um ponto ou técnica é apresentado e aplicado em um projeto. Os projetos são delicados e modernos, com uma estética que lembra bastante a dos livros japoneses. Folhear cada página é um deleite!

Para o segundo xale, escolhi a cor 409, Índigo, também de tingimento natural. Havia muito tempo que eu não fazia trabalhos na cor azul, pois ano passado exagerei um pouco e foquei muito na paleta de tons azulados! Mas estava com saudade do meu azul, uma cor que me inspira tranquilidade e me traz recordações do mar. Nos últimos tempos, temos precisado bastante de serenidade!
A leveza da repetição

Na primeira vez que teci o Xale Leque, precisei ficar bastante focada. Apesar dele ser construído com a repetição de duas carreiras apenas, uma pequena desatenção pode fazer com que precisemos desmanchar e voltar atrás muitas vezes. Demorei alguns meses para revisitar o xale, agora com o fio azul. Dessa segunda vez, precisei abrir o livro apenas uma vez para relembrar a construção do motivo em leque, e desde então não precisei mais consultá-lo. O movimento já esta introjetado na memória das minhas mãos e posso deixar o pensamento vagar longe enquanto vou tecendo os leques.

Espero que vocês gostem de acompanhar essas reflexões. Um projeto feito à mão é como uma viagem - há varias paradas e caminhos a se percorrer até chegarmos ao nosso destino. É como vagar nas ondas, o pensamento no horizonte. Seguirei tecendo meu segundo xale leque. Quando chegar ao destino, compartilharei o resultado com vocês.
Com carinho, Sofia
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